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quinta-feira, 1 de junho de 2017

A girafa que comia estrelas (José Eduardo Agualusa)









A GIRAFA QUE COMIA ESTRELAS

Lá estás tu outra vez com a cabeça nas nuvens! – ralhava a mãe. E era verdade. Aos cinco anos, Filipa já era a mais alta de todas as girafas da savana. Era tão alta que, quando levantava o pescoço e se punha na pontinha dos pés, a cabeça dela desaparecia entre as nuvens. A mãe da Filipa, Dona Mariquita, não gostava daquilo:

- As nuvens estão frias, Filipa! Olha que podes apanhar uma gripe.

O pior que pode acontecer a uma girafa é ficar constipada. Primeiro, porque, quando espirram, correm o risco de perder a cabeça (a cabeça salta com a força do espirro). Depois, porque é difícil conseguir um cachecol capaz de cobrir pescoços tão compridos. Filipa, porém, gostava de andar com a cabeça nas nuvens – queria ver os anjos. A avó Rosália, mãe de Dona Mariquita, dissera-lhe que os anjos dormem nas nuvens. Também lhe dissera que, quando as pessoas morrem, se transformam em anjos. Dissera-lhe isto pouco antes de morrer. Por isso, Filipa passava o dia com a cabeça nas nuvens. À noite, comia estrelas. Enquanto as outras girafas dormiam, Filipa subia ao morro mais alto da savana, levantava o pescoço e comia estrelas. As estrelas ardiam um pouco na garganta, mas eram doces e macias e sabiam a pêssego. Ao contrário do que seria de supor, a noite não ficava mais vazia por causa disso. À medida que Filipa comia estrelas, outras nasciam, novinhas em folha, brilhando ainda mais do que as antigas. Assim, de certa maneira, ela renovava a noite.

(Isto é um excerto do conto)

José Eduardo Agualusa


José Eduardo Agualusa (1960) é um escritor angolano de ascendência portuguesa e brasileira.




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